A Base

A certa altura, o silêncio falava tão alto que eu mal podia ouvir sua voz. Não que fosse uma barreira para o meu amor, mas, para você acabaria sendo o muro instransponível recém pintado da cor mais desagradável aos olhos, tamanha sua preguiça de enxergar que se trata de sua própria cor. Sequer cogitar sentir estar de outro lado que não o da incoerencia foi capaz.

- Você só pode ser isto? Sabe quero mais de você. E só não é melhor porque não quer!
- O que posso fazer se vim com isto, com essa verdade da qual não consigo me dissociar?
- Você pode mudar, ser mais, se quiser.
- Não é uma questão de desejar - eu faria qualquer coisa que lhe trouxesse um sorriso -, ocorre que não se passa por cima da essência sem ferir-se. é experimentando a dor que se aprende.
- Você sabe o que é isto?

Para alguns a vida é uma dádiva, a recebem como um  material de desenvolvimento e aperfeiçoamentos. Para outros, habitantes de seus individuais gêneses pesadelos, não passa de um fardo. Amiúde alheios a consciência, dizem não merecer tais percalços e ciclam longos períodos oscilantes, assolados. Me pergunto qual seria o ponto chave da subsistência. O que me leva a próxima pergunta:

- O que é amar pra você?

De repente, noto que a pergunta tem um proposito próprio. Logo em seguida sinto que na resposta existiria alguma evidencia, algo que ainda não atinasse, mas, que por meio da convivência seria possível assimilar, ou de que nada haveria de ser como eu imaginei que houvesse sido ou que estivesse sendo, e neste momento poderia parecer ser. Embora ao mesmo tempo eu pressenti o descontentamento pelo que eu ouviria:

- Amar? (...) É ser companheiro, é querer e estar junto. E pra você o que é amar?

Errado. E mais uma vez a mediocridade se fez presente graças a necessidade estúpida de colocar em palavras genéricas algo que deveria ser apenas nosso, pessoal, importante, único. E não só meu.

- Amar é reconhecer.
- É reconhecer... Sei.
- Reconhecer o outro, saber quem realmente é, desejar conviver para sempre com o que ele é, afinal, não se pode não ser. Não sem correr o risco de tornar-se justamente o que nunca foi. Não sem antes um processo, jamais abruptamente mudar. E sobretudo, com os defeitos que possui.

O que dá sentido à vida, o combustível, a esperança... O que? Não existe nada dentro de nós que seja mais essencial provar do que o amor - fora dele não há como sobreviver por muito tempo - em fartas doses diárias. De desejo. Infinitamente. Dependentemente.

Pus em suas mãos a mim mesmo. Subi todos degraus para dignificar-me. Ousei dizer, pensar, crer e para quê? Agora você me vem com o esteio do desprezo... De onde surgiu esse ódio apático? Responda, ser humano incoerente de discursos fracos e peesonalidade traidora?

Alguém que dizia amar! Alguém que... Só dizia, mesmo... Deve ter sido fácil. Só dizia o que queria, quando lhe convinha. Só queria o que não lhe cabia e, com isso, deve ter se achado no direto de tangenciar,  transgredir e se afogar em uma peculiar "razão" material. Talvez fosse melhor assim. Eu deveria aceitar. Poderia ser mais simples. Mas, enquanto isso, era eu quem assistia seu espetáculo de mal gosto, me punindo por não conseguir lhe abrir os olhos para o desperdício de sua vida.
Enquanto você via libertação ao deixar vazar sua gasolina pelo caminho que eu logo percorreria. Assim, em seus típicos atos insanos menos que insensíveis, menos que humanos, menos que terrenos e muito próximos de demoníacos, você sacou o isqueiro quando eu esperava que riscasse o palito. Como você enganava bem. Atuava tão perfeitamente que eu chegava a duvidar de minha própria sanidade.
A propósito, eu estaria dramaticamente louco ou realmente era você ali, assistindo meu corpo queimar com a mesma indiferença que passei a ter de tuas necessidades frívolas? Este é o dom de se fazer por prazer: a tudo torna excelente. Até mesmo a morte das coisas mais puras se torna uma boa exposição ao público. Sadicamente notório. Tanto quanto era previsível o pesar por tais agressões psicossomáticas.

Antes, quando o peso caia sobre mim, eu olhava para o lado e te encontrava observando a si mesmo no espelho, enquanto eu, e isso você não percebia, estudava minimamente sua incapacidade de ver-se além do espectro azul da luz ultravioleta que dava um ar normocromatico a sua face, despistando seu olhar nunca receptivo. Eu ficava ali, avaliando o qualitativo material em sua essência relativista. Era meu conforto, pensava saber que havia esperança, imaginar que você poderia também estar assimilando as implicações do seu próprio comportamento, relacionando fatores circunstanciais à teorias antropológicas de nosso tempo breve e escorregadio. Eu estava sonhando com o impossível porque isto, dentre poucas coisas, me era acessível. Ousava possuir uma consciência universal. Tolo que sempre havia sido, não pensava na possibilidade de um apelo transitivo.

Facilmente entende-se a dor como uma resposta a uma invasão, física ou moral, tanto faz, a dor se manifesta, mas, pensando em como o silêncio pode ser implacável, qual a parte sensível em nós que é invadida por ele? O silêncio da ira parece fatal. Como a falta de personificação do fictício papel com o qual me enganou, embora não tão bem quanto eu poderia preferir ser enganado se tivesse a oportunidade.

Nunca estive tão certo, tão fraco. Também! Como imaginar?! Você apontou essa arma carregada, plantou explosivos e lançou como palavras no escuro. Atirou de olhos abertos! Quanto sadismo existe dentro de um ser perverso como você? Humano maquiado. De charme a apologias, armamento pesado para grandes conflitos? Causaria grandes estragos. Mas em alvos tão desprevenidos... Por que? Por que, porra?!

Você dizia pouco e não notei, enquanto provavelmente sonhava, a montagem do palco; eu como coadjuvante, pouco antes da grandiosa salva do público à despretensiosa ingenuidade da interpretação de mim por mim mesmo; morto por dentro, como você me deixou.

Despertei trêmulo, esgotado, porém e infelizmente vivo, sentindo os olhares emocionados na plateia. Escondi meu rosto pálido, permiti as lagrimas, perdi alguns sentidos, tentando entender como o mundo se avessava e minha vida se resumira àquela cena grotesca de drama clássico. “Eles vêem o que querem ver, seu papel é apenas lhes doar tudo de si até que nada sobre de você.” - disse alguém no fundo do palco antes de minha síncope.

Gostaria de não saber que meu desvio racional é maior que a capacidade da maioria em assimilar, e eu sei, estou sempre a um passo de executa-lo, embora consciente de que para isto eu pagaria uma soma que pesa mais do que existir por existir. Para todos os fins, minha realidade se mantém inimaginável, dado que influenciando o ato derradeiro do qual ainda não me permito apenas por não haver certeza sobre sua funcionalidade, como também coloca em risco a estabilidade primitiva cujos reflexos duma sociedade dedicada cegamente ao ganho sobre perdas se encerra em meus próprios impulsos. E curtos.

Porque eu deveria merecer o fardo de carregar toda a dor que existe? Me perguntava... "quantas razões?" improváveis. O que sempre me faltou foi disposição para enfrentar as consequências da renúncia, da transição, da febre, do meio. Do meu coração.

Não chega a ser um consolo, entretanto há algo de bom nisso tudo - mais correto seria calar a confessa-lo - e o mais curioso dessa confusa alusão barroca: ainda pensar em você todas as noites. Como uma espécie de esperança inconsciente de estarmos juntos novamente em breve. Qual o meu problemas? Desejo teu bem, tua felicidade. Você merece?
Não acredito. Mas espero que sim. Que eu acredite. Não importa. Somente aconteça.

Jogue fora sua carcaça, se junte a mim, dispa-se da matéria e torne-se humanamente a essência que nos habita.
Não resuma esta chance numa escolha, preencha o espaço com atitudes vitais e invista no potencial dos sentimentos. Encontrará uma ou duas novidades, e nenhuma delas se compara ao redescobrimento da base, sua consciência .

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